Brazilian
Ingenuity at the Turn of the 19th Century: The Brazilian National
Archives’ Collection "Industrial
Privileges" O
Arquivo Nacional, órgão do Ministério da Justiça
responsável pela guarda, preservação e divulgação
do patrimônio documental do país acumulou, em mais
de um século e meio de existência, um acervo com cerca
de cinqüenta quilômetros de documentos. Este acervo,
de valor inestimável, abriga sob a denominação
de Coleção Privilégios Industriais, um inusitado
baú de raridades reunindo desenhos, amostras e pedidos de
patentes dos mais variados produtos, que compõem um registro
da trajetória da inventiva nacional entre 1870 e 1910.
Desde
a sua criação, prevista na Constituição
de 1824 e efetivada em 1838, foi atribuída ao Arquivo Nacional
a função de depósito compulsório de
patentes, o que obrigava cada inventor a deixar na instituição
um exemplar do seu invento, bem como do material descritivo correspondente
(plantas, desenhos, protótipos). No entanto, é apenas
em 1870 que o Arquivo Nacional recebe as primeiras patentes, depositadas
num momento em que o avanço do processo industrial despertava
a preocupação com a autoria dos inventos. Com a criação
do Departamento de Propriedade Industrial, em 1923, transformado
em 1970 no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI),
o Arquivo Nacional deixou de ser depósito legal de patentes.
A
coleção, custodiada pela instituição, é composta
de 9.301 registros de solicitações de privilégios
industriais acompanhados de igual número de relatórios
que explicam o funcionamento da invenção ou propõem
melhoramentos em inventos já patenteados; cerca de 22 mil
desenhos e 619 amostras. Estas são peças (protótipos)
feitas de materiais diversos como madeira, metal, papel, tecido,
cerâmica, cera, parafina, vegetais e vidros, entre outros.
Em
1984, foi iniciado o trabalho de tratamento da informação
do conjunto Privilégios Industriais, que incluiu o arranjo
e o inventário dos documentos. Inicialmente, procedeu-se à leitura
de cada pedido de patente, seguida do preenchimento de um formulário
com as principais informações sobre a patente solicitada.
Posteriormente, foram identificados e arranjados os desenhos e
amostras que acompanhavam cada um dos pedidos de concessão.
A finalização deste trabalho deu-se com a elaboração
de um instrumento de pesquisa que incluía índice
nominal e de assuntos, indispensáveis à consulta.
Em
1993, o Arquivo Nacional realizou, com o apoio do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a exposição ‘Inventiva
Brasileira: 1870-1910’, que teve lugar no edifício-sede
do banco no Rio de Janeiro e itinerou por outras capitais brasileiras.
Esta exposição, organizada a partir do acervo Privilégios
Industriais, era composta de 150 desenhos, protótipos, amostras,
relatórios descritivos e fotografias que registravam a resposta
da inventiva brasileira à aspiração da burguesia
cafeeira de transformar o Rio de Janeiro e São Paulo em
cartões de visita do país.
A
realização desta mostra sensibilizou o BNDES para
a necessidade de informatizar o instrumento de pesquisa do acervo,
o que foi realizado pelo Núcleo de Computação
Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente,
este instrumento é acessível aos pesquisadores através
da base de dados denominada PRIND, instalada na Seção
de Consultas do Arquivo Nacional.
Abrangendo
as mais diversas áreas do conhecimento, os privilégios
industriais são bastante representativos da virada do século
XIX para o XX, espelhando as preocupações da época:
70% dos pedidos de privilégio industrial voltam-se para
o setor agrícola, com propostas para transporte, armazenagem
da produção e defensivos; 20% referem-se às
indústrias; e os 10% restantes constam de generalidades,
destacando-se as invenções relacionadas à medicina,
higiene e saúde. A coleção contém ainda
patentes nos setores das artes gráficas, embalagens, alimentação,
vestuário, artigos de toucador, mobiliário, materiais
de construção, propaganda, iluminação,
utensílios domésticos, decoração, jogos
recreativos e educativos.
Estes
produtos não apontam apenas para temas caros à sociedade
brasileira da virada do século; eles são registros
da criatividade da inventiva nacional, expressa pelo grande número
de patentes originais. Propostas de produtos e inventos que à época
pareceriam excêntricos, hoje fazem parte do nosso cotidiano,
como a utilização da energia solar, o metrô de
superfície como opção para o transporte coletivo
urbano, uma ponte ligando o Rio de Janeiro a Niterói, os
cinematógrafos e fonógrafos, vários sistemas
de refrigeração de armazéns e silos, novas
fibras vegetais para a indústria têxtil e de papel,
inovações nos sistemas de impressão à cor,
dirigíveis, submarinos e até uma cidade flutuante,
datada de 1902, destinada a abrigar a população das
cidades em épocas de epidemias, de intenso calor ou para
o transporte de tropas através do litoral brasileiro. Outros
inventos originais eram os abanos acoplados a cadeiras de balanço,
o toldo para que as bicicletas pudessem circular em dias de muito
calor, o banho portátil, que poderia ser acoplado a qualquer
torneira e o ‘Telégrafo Vocativo Cambraia’,
de 1909, que propunha um sistema de comunicação a
distância, utilizando-se ‘das almas e espíritos
que vagam pela estratosfera’, este último referindo-se
talvez aos atuais satélites de comunicação.
Tudo
isso revela a imensa criatividade e o boom de invenções
do período, expresso de forma exemplar por Machado de Assis, à época
alto funcionário da Secretaria de Estado da Indústria,
Viação e Obras Públicas, instituição
que concedia as patentes. Diz o escritor em Esaú e Jacó: "Quem
não viu aquilo não viu nada. Cascatas de idéias,
de invenções, de concessões, rolavam todos
os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de réis,
centenas de contos, milhares, milhares de milhares, milhares de
milhares de milhares de contos de réis" (Machado de
Assis, 1988, p. 159).
O
período entre 1870 e 1910 é caracterizado como um
tempo de novidades e transformações mundiais geradas
pela industrialização, pelo início da utilização
da energia elétrica, pelo surgimento do telégrafo
e do telefone, entre outras. Era tempo também do prodígio
da técnica, da qual a torre Eiffel de 1889 era um dos exemplos.
No
Brasil, este período é marcado pela abolição
da escravatura, pela proclamação da República,
pela industrialização nascente, reformas urbanas,
imigração, avanços da medicina. É também
uma fase em que as novidades do tempo vão chegando pouco
a pouco: a primeira linha telefônica em 1881, a operação
da primeira usina hidrelétrica em 1889, com o objetivo de
fornecer energia para uma fábrica de tecidos, o fonógrafo
em 1891, o cinematógrafo em 1896, automóveis circulando
a partir de 1905 (Sobre a incorporação destes inventos
ao cotidiano a partir das relações entre literatura
e a técnica ver, de Flora Sussekind, O cinematógrafo
das letras).
A
vida nas cidades sofre transformações: o Rio de Janeiro,
por exemplo, troca as feições da velha cidade de
Mem de Sá pelo ufanismo da ascensão à condição
de metrópole civilizada, espaço de reformas urbanas
que evidenciavam a força e a extensão que tiveram
os ideais de ordem e progresso. (Benchimol, 1990)
No
que se refere ao Rio de Janeiro, uma das faces mais fortes do progresso
representava a transformação da cidade através
da higienização e saneamento da paisagem urbana e
social, da construção de avenidas e prédios,
da adoção de padrões e valores europeus no
que dizia respeito à moda, às artes, ao comportamento.
O
Rio de Janeiro não era o único exemplo das mudanças
que ocorriam no Brasil na virada do século: o desenvolvimento
dos cafezais do oeste paulista, que se iniciara na década
de 1870, trazia um rompimento com as áreas de agricultura
tradicional do vale do Paraíba; suas fazendas empregavam
técnicas modernas de produção, utilizavam
mão-de-obra livre e as ferrovias substituíam o transporte
em lombo de burro.
Todo
este contexto de mudanças efervescentes embaladas pela febre
da industrialização, pela crença no desenvolvimento
agrícola como paradigma do progresso, pelas reformas urbanas
e transformações nos costumes está presente
no acervo de Privilégios Industriais que contém invenções
singulares, idéias geniais, loucas, inexeqüíveis,
que muitas vezes refletem o espírito visionário da época.
Inventores
famosos como Thomas Alva Edison e Alexander Graham Bell, que patentearam
suas invenções em todos os países, inclusive
no Brasil, também estão presentes no acervo do Arquivo
Nacional. A instituição abriga ainda inventores brasileiros,
cujas patentes revelam as preocupações da sociedade
da época. Um exemplo é Augusto Severo de Albuquerque
Maranhão que, assim como Santos Dumont, era apaixonado pela
idéia de voar. Augusto Severo, que morreu na França
pilotando um dos seus balões, patenteou, entre outros inventos,
o motor Augusto Severo, um balão dirigível, um mecanismo
de direção para balões, o balão Pax
e ainda uma máquina rotativa reversível para impressão
gráfica. André Cateysson é outro inventor
de destaque do acervo de Privilégios Industriais. Apaixonado
pela ciência em geral, Cateysson patenteou em 1906 o ‘cinturão
ideal eletroterápico’, que serviria, segundo ele,
para dizimar as moléstias do sistema nervoso a partir da
distribuição de pequenas descargas elétricas
pelo corpo. Cateysson registrou ainda a ‘kaonira’,
pó solidificável e solúvel para aplicação
em infecções gerais, o Fulminante Cateysson, destinado
a exterminar a saúva, e as ‘roupas flutuantes para
banho’, ideais para os que desejavam usufruir os banhos de
mar sem os riscos de afogamento.
O
recordista de patentes entre todos os inventores que registraram
suas criações no Arquivo Nacional era José Roberto
da Cunha Sales, doutor em medicina e direito, que patenteou 26
inventos. Cunha Sales criou medicamentos como um conhaque estomacal
denominado Aperitivo Americano e um xarope destinado à cura
da tuberculose. Inventou uma ponte flutuante movida a vapor e registrou,
ainda, o cinema em 1897, criado dois anos antes pelos irmãos
Lumière, na França.
Entre
os inventos registrados no Arquivo Nacional, aqueles relacionados à medicina,
saúde e higiene representam uma parte considerável
do acervo, refletindo as preocupações dos governantes
e dos médicos com a salubridade e a higienização
das ruas, casas e indivíduos. Estas patentes revelam ainda
as tentativas de intervenção do saber médico
que, na virada do século XIX para o XX, buscava normatizar
a vida nas cidades (Costa, 1989; Machado et alii, 1978).
Para
a medicina social, a desordem urbana era responsável pela
degeneração da saúde da população.
Por isso, o meio ambiente, os aspectos urbanísticos, as
habitações e os costumes e práticas tradicionais
das cidades eram os alvos prediletos dos médicos higienistas.
Estas preocupações que se consubstanciavam nas teses
apresentadas às faculdades de medicina apareciam também
nos pedidos de patentes depositados no Arquivo Nacional.
Inúmeros
inventos tratam da questão dos esgotos, do lixo e do saneamento.
Os esgotos das cidades foram contemplados com inventos relativos à lavagem,
desinfecção, tratamento e purificação,
num total de 54 pedidos de privilégio registrados.
O
fato de os serviços de esgotos da cidade do Rio de Janeiro
terem sido entregues, em 1862, à Companhia The Rio de Janeiro
City Improvements estimulava outras empresas estrangeiras a apresentar
projetos relacionados ao assunto. Isto talvez explique uma significativa
parcela de pedidos de privilégios industriais vindos de
companhias de outros países. Uma delas, a Compagnie de Salubrité,
da França, apresentou, em 1890, um ‘sistema de instalação
de aparelhos para o saneamento das cidades por canalizações
pneumáticas’. A invenção relacionava-se à instalação
de aparelhos aperfeiçoados para efetuar o saneamento das
cidades pela extração pneumática de todas
e quaisquer matérias impuras e resíduos de qualquer
natureza provenientes dos prédios, das ruas etc. A instalação
comportava:
"aparelhos
de recepção e de evacuação colocados
nos pontos convenientes para recolher as matérias de esgoto,
as águas servidas, as águas de banhos, as águas
de resíduos industriais etc. e, finalmente, em certos casos,
as águas pluviais dos prédios e das ruas. Uma rede
de canalização estanque, metálica ou de outra
natureza concentrando todos os aparelhos. ... Uma usina de aspiração
compreendendo as bombas de vácuo e de líquidos para
a constante manutenção do vácuo na canalização
e a expiração contínua de todos os líquidos
e matérias recolhidas."
Um
pouco mais sofisticada e atenta ao meio ambiente era a patente
solicitada por outra empresa francesa, a Compagnie Industrielle
d’Assainissement, que, em 1910, propunha um ‘dispositivo
para a depuração das águas servidas, das águas
do esgoto, das matérias fecais e outras’. Seu objetivo
era "realizar uma depuração tal que o efluente
sai do aparelho em estado límpido, inodoro e inócuo".
O aparelho apresentado continha dois compartimentos, um de desagregação
e outro de depuração, realizando uma separação
dos gases e dos líquidos. Graças aos "princípios
de depuração biológica", tal dispositivo "suprimia
o emprego de suportes ou de substâncias químicas,
que podem ser arrastadas para fora do aparelho e dar ao efluente
um caráter nocivo".
O
lixo também era alvo de inúmeros pedidos de patentes
relativos à sua incineração, transporte, aproveitamento,
esterilização, coleta, desinfecção.
Alguns inventos chegavam a propor a sua transformação
em adubo ou carvão.
Além
dos esgotos, do saneamento e do lixo, outros inventos se caracterizavam
por tentar imprimir higiene às cidades. No bojo de um projeto
de modernização, médicos e governantes se
uniam para normatizar a convivência nos espaços públicos
e privados (Pechman, 1985; Costa, 1984). A coleção
Privilégios Industriais aponta para as tentativas que estes
grupos faziam de se apossar do espaço urbano imprimindo
a marca da higiene. A palavra higiene, aliás, parecia embasar
diversos pedidos de patentes. São casas higiênicas,
açougues higiênicos, espartilhos higiênicos
etc.
Refletindo
estas preocupações destacam-se os inventos relativos à desinfecção
de água estagnada, escoamento de águas pluviais,
produção de água potável, as inúmeras
cuspideiras, os banheiros públicos e os aparelhos para lavagem
de banheiros, o aparelho para renovação e filtração
da água subterrânea da cidade, entre outros.
No
que se refere à prática da medicina, os inventos
também refletiam um cuidado com a higiene e com a normatização.
São inventos relacionados como a produção
de algodão esterilizado, a ambulância desmontável,
a atadura esterilizada, as técnicas de conservação
de cadáveres, os diversos estojos para médicos e
dentistas, o esterilizador de material cirúrgico, uma construção
móvel para hospital, inaladores de anestesia, aparelho para
uniformização de temperatura em incubadora artificial,
seringa para injeção sem dor, dispositivo para conservação
de medicamentos à base de suco de crustáceo, entre
outros.
Os
pedidos de privilégios para medicamentos apresentados entre
1870 e 1910 são inúmeros e se dedicam a assuntos
como: afta, azia, beribéri, blenorragia, calo, câncer,
caspa, cólera, cólica, contusão, coqueluche,
diabete, diarréia, dispepsia, diurese, dor, embriaguez,
enjôos no mar, enxaqueca, erisipela, estômago, febre,
febre amarela, ferimentos, hemorragia, hemorróidas, hidrofobia,
inapetência, infecção, linfatite, malária,
menstruação, metrorragia, morféia, paralisia,
prisão de ventre, sífilis, tuberculose, mordida de
animais, esgotamento, reumatismo, sapinho, parasitas, picada de
insetos, queimadura, vermes, vômitos.
Acompanhando-se
os pedidos de privilégios relativos ao cólera e à febre
amarela, duas sérias enfermidades que acometeram as populações
das cidades neste período, observa-se a tentativa dos inventores
em solucionar problemas de saúde pública. É interessante
notar que grande parte dos medicamentos era apresentada como invenção,
e que o memorial descritivo que acompanhava os frascos e amostras
dos remédios em geral se distanciava do discurso científico
que embasava, por exemplo, as teses apresentadas às faculdades
de medicina.
José Roberto
da Cunha Sales era um dos muitos inventores que apresentaram pedidos
relativos a medicamentos. Um deles era um licor destinado à cura
do cólera morbus e foi descrito pelo autor da seguinte forma:
"tendo
sido em 1856, na vila de Brejo da Madre de Deus, província
de Pernambuco, testemunha ocular dos prodigiosos efeitos da polpa
e filamento do coco, conhecido entre os indígenas pelo nome
de inhamacuru — aplicados em infusão, tanto dos que
eram acometidos do cólera morbus, como aos que ainda o não
tinham sido, evitando nestes a invasão do mal ...; ao aparecer
nesta Corte a notícia de que o cólera morbus grassava
em Buenos Aires, o abaixo-assinado mandou vir desses cocos e procurou
estudando cientificamente as propriedades terapêuticas e
a ação fisiológica de sua polpa e filamento.
Preparou um licor antídoto, ao qual denominou Robertina
anticolérica."
O
inventor comenta ainda que, após ter utilizado com sucesso
o medicamento, um dos habitantes da vila citada começou
a medicar os coléricos fazendo com que o número de
acometimentos decrescesse.
A
febre amarela, cuja primeira grande epidemia ocorreu em dezembro
de 1849, aparece na coleção Privilégios Industriais
com quatro pedidos de privilégios que apresentavam propostas
para a sua cura e prevenção. Um deles, também
de Cunha Sales, era um elixir denominado mata-febre e tinha por
base o mesmo inhamacuru apresentado anteriormente.
Outro
inventor, o dr. José Ianarelli, propunha, em 1898, curar
a febre amarela com a produção do Soro Antiamarílico
ou Sorum Antiamaryl, obtido a partir de "animais vacinados
com o bacilo Ianarelli e com os seus produtos tóxicos ou
imunizados".
José Fernandes
Cal apresentou, em 1904, um "preparado destinado a curar a
febre amarela" que beirava a ingenuidade. O dito produto era,
segundo seu inventor, um "medicamento composto de substâncias
inofensivas, não contendo tóxicos" à base
de limão, aguardente, conhaque superior (sic), açúcar
em infusão. O curioso é que o pedido de privilégio
foi solicitado por inventor do Rio de Janeiro, em 1904, quando
Oswaldo Cruz já atuava como diretor geral da Saúde
Pública na cidade, prometendo acabar com a doença
por meio de métodos profiláticos e campanhas de saúde
pública.
Finalmente, é interessante
ressaltar que a coleção Privilégios Industriais
possui, entre os pedidos de patentes relativos à febre amarela,
um invento proposto pelo médico João Batista de Lacerda.
Este foi um importante médico da segunda metade do século
XIX, pesquisador do Museu Nacional e um dos pioneiros da ciência
experimental do Brasil (Benchimol, 1995; Lacaz, 1963; Lacerda,
1883; Santos Filho, 1980). Lacerda propunha um preservativo da
malária e da febre amarela denominado Konopothanatus brasiliensis "uma
combinação em proporções definidas
de substâncias de origem vegetal com a propriedade, uma vez
derramada e esfregada sobre a pele, de preservá-la da picada
dos mosquitos e de suas perniciosas conseqüências".
O médico descreve algumas experiências com o seu invento,
segundo ele eficazes, realizadas no Laboratório de Biologia
do Museu Nacional. Para ele, o medicamento "dispensa essas
custosas instalações domiciliares, fechadas com telas
de arame, as fumigações com enxofre queimado dentro
das casas, a caçada dos mosquitos e larvas nos pântanos,
novo suplício de Sísifo, os cortinados e mosquiteiros
durante o sono, os véus e as luvas, em horas e horas de
trabalho durante o dia".
João
Batista de Lacerda, um dos primeiros estudiosos dos princípios
tóxicos dos reinos animal e vegetal, dedicou-se às
pesquisas sobre várias moléstias infecciosas. Acreditava
ter descoberto o microrganismo da febre amarela, erro em que também
incorreram diversos bacteriologistas, entre os quais Noguchi.
Os
inventos aqui citados na área de medicina e saúde,
saneamento e higiene servem como amostra do acervo de patentes
depositado no Arquivo Nacional e das potencialidades que ele oferece.
Sua relevância reside nas múltiplas possibilidades
de pesquisa que ela permite não apenas por expressar a inventiva
brasileira na virada do século, mas, principalmente, por
refletir um momento de mudanças e transformações
no espaço urbano das grandes cidades brasileiras, e nas
alterações de mentalidade proporcionadas por essas
mudanças. Isto pode ser percebido através dos inventos
relacionados à propaganda, ao lazer, aos transportes, aos
utensílios domésticos, entre outros.
É importante
salientar também que este acervo é obviamente fundamental
para os estudiosos da história da ciência e da técnica,
especialmente para aqueles interessados em trabalhar com novas
fontes de pesquisa.
Maria
do Carmo Teixeira Rainho
Coordenadora de Pesquisa do Arquivo Nacional
Mestre em História da Cultura (PUC/RJ)
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Jaime Larry
Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro, Secretaria
Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral
de Documentação
e Informação Cultural.
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Costa, Jurandir Freire
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Costa, Nilson do Rosário
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